sexta-feira, 19 de março de 2010

A minha história, desde campista itinerante até autocaravanista militante- parte 2

Na década de 60 do século passado, como sabem aqueles que a viveram, sair de Portugal não era fácil.
Felizmente para mim, minhoto raiano, atravessar a fronteira não era nada de complicado. Por essa época, estávamos no tempo da passagem a salto de emigrantes para França e na aldeia onde nasci, os homens válidos estavam todos lá fora, portanto havia sempre, em França, apoio logístico. Enquanto estudante, passei quase todos os anos as férias grandes a viajar pela Europa. Sempre de mochila às costas, trabalhando na apanha de frutas, vendendo jornais em Paris ou carregando sacos às costas em Hamburgo, sempre arranjei uns cobres para completar a mesada que o meu pai me fornecia.

Nessa época, atravessar a Espanha à boleia não era tarefa fácil, dada a exiguidade de trânsito circulante e disponibilidade de lugar nos carros que passavam.
Não existindo, embora, os receios que hoje se colocam aos condutores a que é solicitada boleia, ir da fronteira portuguesa até França, era tarefa para demorar quase oito dias, se não se tivesse a sorte de apanhar algum camionista, dos poucos que circulavam, na altura, nesse trajecto. A maior parte das vezes tínhamos que aceitar as boleias curtas e assim de terra em terra, atravessarmos a imensa Espanha.

Felizmente para mim tinha apoio logístico em Madrid, onde viviam os meus avós maternos e onde o meu avô era, à altura, funcionário da Compañia Telefonica Nacional de España. A propósito, lembro-me muito bem do apoio que os meus avós disponibilizavam aos portugueses mais afoitos que pretendendo ir para França não queriam ir acarneirados por passadores e optavam por fazer a viagem sós ou dois a dois, indo até Madrid e aí o meu avô, com os seus conhecimentos na CTNE conseguia que colegas seus, em algumas povoações mais perto de França os apoiassem na travessia da fronteira Espanha-França, muitas vezes fazendo-os passar por funcionários da companhia.Esta rede de apoio aos portugueses era voluntária e sem qualquer carácter político ou económico. Ainda hoje muitos ex-emigrantes entretanto regressados a Portugal se mantêm reconhecidos a essa rede de solidariedade que os ajudou a emigrar e assim, embora com muito trabalho e sacrifícios, terem a vida de algum desafogo económico que hoje possuem.

Mas, este aparte vem a propósito das tais dificuldades de sair do país na década de 60 do século passado e das facilidades que, apesar de tudo, eu tinha de furar o bloqueio.

Assim, como disse, lá consegui contactar a civilização e esse bichinho ficou-me até hoje.

A propósito, recordo-me de um episódio que vivi, na altura, na Côte D'Azur, perto de Nice:

Estava eu e um amigo meu a pedir boleia numa estrada secundária, ladeada por pomares de macieiras, carregadinhas de frutos vermelhos e muito apetitosos, cheios de calor e até alguma larica. Perante isso, resolvemos saltar a vedação de um pomar para "sacar" umas maçãzitas. Quando já tínhamos, cada um, 1/2 dúzia num saquito, salta-nos à frente um enorme cão, vindo não sei de onde, que nos deixa paralizados. De seguida, aparece um indivíduo armado que, dirigindo-se-nos, em francês, berra:

- Com que então a roubar maçãs, ehn? Pois é, vou ter de te entregar à polícia!
- Por favor, nós só estávamos a tirar 1/2 dúzia de maçãs!
- Não interessa, isto é privado e portanto estão a roubar.
- Mas nós entregamos as maçãs.
- Nem pensar!
- Por favor, deixe-nos ir embora, que não voltamos a fazer!
- Nem pensem, vão ter de me acompanhar até ao patrão!

Perante o tom ameaçador, o cão e a arma, não tivemos outro remédio senão segui-lo.
Lá fomos e a determinada altura, vemos ranchos de pessoal, sensivelmente da nossa idade (17 anos na altura), ao lado de tractores, a apanhar fruta para caixas.
Chegados à casa da quinta, aparece-nos um senhor, todo francês, que nos atira:
- Duas hipóteses: ou polícia ou apanhar fruta!
- Apanhar fruta, respondi logo, esperando que a coisa não fosse por muito tempo e na esperança de, na 1ª oportunidade, dar-mos o frosques.
- O.K. Manuel, leva-os para junto dos outros.

Aí apercebe-mo-nos que o sacana do guarda era português e não tinha dado sinal de vida! e ainda por cima tinha ouvido os nossos apartes durante a percurso desde a vedação até à casa e os nossos desabafos não tinham sido muito meigos!

Enfim, chegando ao grupo "operário" verificámos que tínhamos caído num grupo de estudantes que aproveitavam as férias para ganhar "algum" e ficámos logo perfeitamente enquadrados no esquema. Até havia um grupo de 4 espanhóis de Zamora, aos quais tinha acontecido o mesmo que a nós. Estavam alí ia para quinze dias e no domingo de cada fim de semana não se trabalhava e recebia-se o pagamento. Afinal, até nem era mau: ganhava-se bastante bem, o grupo de cerca de 70 jovens era porreiro, as instalações em camarata até eram bastante aceitáveis, com cama individual, casas de banho colectivas, grande cozinha comunal enfim, mesmo giro! Ainda por cima havia gente de vários países, e no final do jantar ou se saía ou se ficava a curtir música tocada pelos "residentes", etc.

Conclusão: passámos 15 dias na maior, ganhámos uns francos, divertímo-nos e foi óptimo!
E afinal concluimos que o guarda , com quem acabámos por nos relacionar, era muito simpático, contou-nos que ele passava muitas vezes horas escondido com o cão e arma, à espera de putos como nós para serem arregimentados, dado que, nesse ano, não tinham vindo tantos estudantes como o patrão esperava para a campanha e ele, o Manuel, português de Pombal, desenrascado como só nós os Portugueses conseguimos ser, tinha proposto ao patrão, o esquema de recrutamento que nos foi aplicado.
Afinal, todos saímos a ganhar e dali fomos visitar, pela 1ª vez, o Mónaco onde passámos também oito dias no bem bom, com duas amigas espanholas, de Barcelona, nossas colegas na apanha de maçãs, com quem continuámos a relacionar-nos até sermos chamados para a tropa, anos depois.

Desta vez, sempre que necessário, utilizámos a nossa tenda, comprada anteriormente em Andorra, nos armazéns Pirinéés. Era pesada, mas muito geitosa!

1 comentário:

  1. Olá Companheiro
    Sinceros desejos de boas vindas à família autocaravanista. Família muitas vezes desavinda mas, afinal, isso é quase normal em muitas famílias!. Fazendo, ainda, parte da Coordenação do CAB já hoje tive o prazer de o "arregimentar" no nosso Circulo e de o admitir no Forum (quase morto mas ainda existente). Devo dizer-lhe que aprecio a sua maneira cuidada de escrever e espero portanto vir a desfrutar de bons relatos de viagens.

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